Em algum livro de estudo constava que a pessoa não consegue aguentar mais que determinado número de horas sem dormir. Eu mesmo tinha a convicção de que havia certas coisas que eu simplesmente não conseguiria fazer. Não poderia dormir "caso não..." Não conseguiria viver "sem..." Na primeira noite em Auschwitz, dormi em beliches de três andares, e em cada andar (medindo mais ou menos 2x2x5m) dormiam nove pessoas, em cima de tábua pura; e para cobrir-se, havia dois cobertores para cada andar, isto é, para nove pessoas. Não era permitido levar sapatos para os beliches. Em grave infração ao código, um ou outro os usava à guisa de travesseiro, mesmo estando totalmente enlameados. No mais, nada nos restava senão apoiar a cabeça sobre o braço, mesmo que quase o destroncasse. Mas o sono leva consigo o estado consciente, eliminando também o dolorido da posição.
Outras coisas surpreendentes que se consegue fazer: passar meses ou anos no campo de concentração sem escovar os dentes, e mesmo assim ter uma gengiva em estado melhor que nunca, apesar da considerável deficiência de vitaminas. Ou usar a mesma camisa durante metade de um ano, até ela ficar completamente irreconhecível; não poder lavar-se de forma alguma, nem parcialmente, por estar congelada a água nos canos do lavatório; não ficar com pus nas mãos feridas e sujas de trabalhar na terra (claro, enquanto não houvesse sintomas de congelamento). Então nos dávamos conta da verdade daquela frase de Dostoievski, que define o ser humano como o ser que a tudo se habitua. Podem perguntar-nos. Nós sabemos dizer até que ponto é verdade que a pessoa a tudo se acostuma, sem dúvida! Mas ninguém pergunte de que modo. . .
(Viktor Frankl - Um psicólogo no campo de concentração)